Há relatos de tortura, violações, enforcamentos, corpos queimados e esmagados em prensas. A Amnistia Internacional chamou-lhe um "matadouro humano".
Quando o regime de Bashar Al-Assad caiu, no domingo, em apenas 11 dias, houve cenas de júbilo no centro de Damasco e um pouco por toda a Síria, mas para os familiares dos presos os festejos não eram a prioridade.
Enquanto se celebrava a queda de cinco décadas de ditadura da família Assad na Síria - primeiro com o pai Hafez e, depois, com o filho Bashar - milhares de pessoas dirigiram-se à maior prisão política do regime, a mais secreta de todas, nos arredores da capital, para tentar saber o que tinha acontecido aos entes queridos que não viam há anos, em alguns casos há décadas.
Os rebeldes libertaram os presos políticos que sobreviveram na cadeira e, ajudados por outros civis, ussaram escavadoras para perfurar o solo e tentar encontrar mais reclusos em possíveis celas subterrâneas.
As equipas da Defesa Civil Síria, conhecidas como Capacetes Brancos, estão a trabalhar para aceder aos alegados compartimentos no subsolo, onde se acredita que dezenas de milhares de pessoas estejam detidas.
Segundo a Associação dos Detidos e Desaparecidos da Prisão de Saydnaya (ADMSP), todos os presos tinham sido libertados ao fim da tarde da última segunda-feira.
Corpos esmagados em prensa
A prisão de Saydnaya foi qualificada num relatório de 2017 da Amnistia Internacional como um “matadouro humano” - milhares de pessoas terão sido detidas, torturadas e executadas neste estabelecimento prisional desde o início da guerra civil síria em 2011.
Numa das salas, os corpos dos presos eram esmagados numa prensa, contaram os rebeldes a uma equipa de reportagem da CNN Brasil que entrou no local.
Depois do esmagamento, segundo relatos dos rebeldes, o que sobrava dos cadáveres era dissolvido em ácido.
A Amnistia Internacional denuncia “uma verdadeira política de extermínio” em Saydnaya. Entre 2011 e 2015, 13 mil pessoas foram enforcadas nesta prisão, de acordo com a Amnistia Internacional - várias dezenas de execuções por enforcamento foram ali consumadas todas as semanas, geralmente à noite e fora de vista.
Estabelecida no início da década de 1980 numa pequena localidade, cerca de 30 quilómetros a norte da capital Damasco, Saydnaya é o local onde a família Assad manteve os opositores do regime.
O local foi durante décadas administrado pela polícia militar síria e pelos serviços secretos militares. Os primeiros detidos chegaram às instalações de 1,4 quilómetros quadrados em 1987, ou seja, 16 anos após o início do governo de Hafez al-Assad.
Um antigo oficial disse à Amnistia Internacional que, a partir de 2011, Saydnaya passou a ser a "principal prisão política da Síria".
Mais de 30 mil detidos foram executados ou morreram devido a tortura, falta de cuidados médicos ou fome entre 2011 e 2018, segundo as estimativas de alguns grupos de defesa de direitos humanos. Os poucos reclusos que iam sendo libertados adiantaram que pelo menos mais 500 detidos foram executados entre 2018 e 2021, afirmou em 2022 a ADMSP.
Casa de horrores
A disposição de Saydnaya tem sido um segredo bem guardado e nunca antes tinham sido vistas imagens do interior da prisão.
O complexo prisional é composto por dois grandes espaços de detenção, capazes de acolher entre 10 a 20 mil pessoas. O Edifício Branco foi, segundo ativistas dos direitos humanos, construído principalmente para deter oficiais militares e tropas suspeitas de traição ao regime.
A prisão principal situa-se no Edifício Vermelho, destinado aos opositores do regime, que acolheu inicialmente os suspeitos de pertencerem a grupos islamistas. Esta ala caracterizava-se pela sua forma em Y, com três corredores que se estendiam a partir de um núcleo central.
Aymeric Elluin, da Amnistia Internacional França, revela que as execuções ocorriam geralmente às segundas e quartas-feiras. Os "enforcamentos em massa" aconteciam na cave do Edifício Vermelho, "após julgamentos fictícios que não duravam mais de três minutos". "As vítimas eram espancadas, enforcadas e eliminadas em segredo”, avança Elluin, citado pela France 24.
Além das execuções e da tortura, a prisão de Saydnaya ficou marcada por desaparecimentos forçados. A ONU estima que, desde 2011, mais de 100 mil sírios desapareceram em todo o país. Suspeita-se que muitos deles tenham estado detidos em Saydnaya em algum momento.
Celas subterrâneas?
“Há centenas, talvez milhares, de prisioneiros detidos em dois ou três andares subterrâneos, atrás de fechaduras eletrónicas”, alerta Charles Lister, do Middle East Institute.
A ADMSP afirmou que as alegações sobre os detidos presos no subsolo eram “infundadas” e “inexatas”, sublinhando num comunicado que o edifício estava vazio e que não havia “qualquer indício de prisioneiros presos no subsolo”.
O regime de Assad negou sempre as acusações feitas pelas organizações internacionais, considerando-as “infundadas” e “desprovidas de verdade”.
Raed Saleh, que dirige os Capacetes Brancos, descreveu a prisão como um “inferno” e disse foram libertados 20 a 25 mil prisioneiros de Saydnaya na segunda-feira, acrescentando que os socorristas viram corpos em fornos.
Entre as pessoas libertadas de Saydnaya contam-se dezenas de mulheres e crianças, como atesta um vídeo verificado pelo jornal The Guardian. Alguns sobreviventes revelaram a este jornal britânico que foram sujeitos a todo o tipo de sevícias, incluindo violações e choques eléctricos. Muitos terão sido torturados até à morte.
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