Quando a mineira Lucimara Rodrigues cruzou a fronteira dos Estados Unidos com o México, sozinha, em busca do “sonho americano” há 21 anos, a imigração estava longe de ser tema de polarização na sociedade. De lá para cá, ela se estabeleceu em Boston, teve dois filhos no país e ascendeu profissionalmente, abandonando a rotina de empregada doméstica para se tornar dona do seu próprio negócio.
Tudo isso, no entanto, sem regularizar o seu status migratório. Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca e sua promessa de promover “a maior deportação em massa da História”, ela teme que a hostilidade contra imigrantes e a abordagem ostensiva das autoridades tragam de volta a instabilidade que sentiu na pele durante o primeiro mandato do republicano.
“No primeiro governo Trump, eu tinha medo de ser deportada porque ele colocava blitz de agentes da Imigração na rua. Não dá para sair à noite. Você fica com medo de que seus vizinhos chamem a Imigração para pegar você. Ele vai na televisão e fala: ‘Se você conhece um imigrante suspeito, denuncie.’ Às vezes a pessoa não está fazendo nada e é denunciada”, contou.
A sua história está longe de ser um caso isolado. Estima-se que, dos quase 2 milhões de brasileiros que residem nos Estados Unidos, 230 mil estejam em situação irregular. O número coloca o Brasil como o 8º país com mais imigrantes sem documentos em território americano, segundo um balanço do Departamento de Segurança Interna de 2023.
Entre outubro de 2019 e setembro deste ano, 162 mil brasileiros foram flagrados tentando cruzar a fronteira México-EUA, a 12ª nacionalidade mais apreendida. De acordo com o Itamaraty, os EUA são o principal destino de expatriados, com Nova York, Boston e Miami liderando o ranking de áreas com as maiores comunidades brasileiras do mundo.
Direitos na mira
Mesmo aqueles com status migratório regular temem as consequências da “caça aos imigrantes”, nas palavras de Elen Silva (nome fictício), brasileira que falou com a reportagem sob anonimato. Ela migrou para o país com o marido e a filha ainda bebê em 2018, contando com a ajuda de parentes que viviam nos EUA, e seu primeiro emprego também foi como doméstica. Hoje, ela trabalha numa ONG de acolhida a imigrantes em Boston e diz que sua principal preocupação são as ordens executivas (decretos) impostas por Trump, que no primeiro mandato limitaram o acesso de migrantes irregulares a direitos básicos.
“Do que eu tenho medo mesmo são as ordens executivas. A primeira coisa que ele faz é tirar os direitos dos imigrantes. E quando o imigrante precisa pedir auxílio ao governo, isso acaba diminuindo as chances de conseguir o green card depois”, pontua ela.
Analistas ouvidos se mostraram céticos quanto à viabilidade de uma política de deportação em massa, que poderia afetar até 11 milhões de pessoas. Para a advogada Marta Mitico, presidente da Associação Brasileira de Especialistas em Migração e Mobilidade Internacional (Abemmi), muitas das políticas testadas por Trump no passado — como a construção de um muro na fronteira EUA-México (em moldes diferentes do prometido na campanha) e a separação de pais e filhos que fizeram a travessia juntos — não deram certo. Agora, suas promessas esbarram na economia, tema central nas urnas.
“Trump é muito barulhento, mas em termos práticos ele fez menos deportações que [Barack] Obama, que foi mais legalista e firme, mas silencioso. Para deportar pessoas, há um custo astronômico da máquina administrativa. Como você coloca isso no bojo das necessidades do país? Os juízes americanos vão trabalhar só com deportação? Ainda é preciso mapear as pessoas. Elas estão trabalhando na agricultura, na construção civil… Isso vai ter impacto na economia, porque esses imigrantes estão ocupando postos que os americanos não querem”, explicou Mitico.
Números
No primeiro governo Trump (2017-2021), 1,6 milhão de imigrantes foram deportados dos EUA — quase metade do que houve no primeiro mandato de Obama (2009-2012) e 490 mil a menos do que no segundo (2013-2016). Apesar do fluxo de saída de imigrantes irregulares ter sido maior em gestões anteriores, foi durante o governo Obama que houve o maior número de deportações por via legal da História: 3 milhões. Segundo Gustavo Nicolau, advogado de imigração nos EUA, isso foi consequência da chuva de processos iniciados ainda sob George W. Bush (2001-2008), cuja pressão em cima dos imigrantes sem documento levou à saída voluntária de 8 milhões de pessoas “deportáveis” — efeito que pode se repetir sob Trump, já que a via legal é mais lenta e custosa.
Credito: O SUL
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