Parecer da PGR que liga invasões dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, às sinalizações de que se articulava uma ruptura institucional em caso de derrota eleitoral é má notícia para Bolsonaro e ex-auxiliares
A Procuradoria-Geral da República (PGR) identificou conexões entre a elaboração de um plano de golpe de Estado e a invasão às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. As informações foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e envolvem aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Esses dados servirão para a solicitação de novas diligências para subsidiar inquéritos que correm na Corte.
As informações foram enviadas ao ministro Alexandre de Moraes. O elo dos golpistas com o 8 de janeiro foi trazido à tona pelo UOL e confirmado pelo Correio junto a fontes na PGR e na Polícia Federal (PF). O procurador-geral da República, Paulo Gonet, aponta que "a atuação da organização criminosa investigada foi essencial para a eclosão dos atos depredatórios", referindo-se à depredação promovida por milhares de extremistas que ficaram várias semanas acampados em frente do quartel-geral do Exército, no Setor Militar Urbano, em Brasília.
A PGR enviou o parecer depois de Moraes pedir manifestação da procuradoria sobre um pedido do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. A defesa do dirigente partidário solicitou a revogação de medidas cautelares — entre elas, a proibição de se comunicar com Bolsonaro e outros investigados. Para Gonet, neste momento não é seguro derrubar as cautelares para não atrapalhar as investigações. Valdemar e o ex-presidente negam qualquer envolvimento com as invasões de 8 de janeiro.
Bolsonaro afirmou, em depoimento à PF, que não tentou articular um golpe de Estado e que não pediu a elaboração de uma minuta golpista — documento encontrado pelos agentes federais em buscas no gabinete do ex-presidente na sede do PL, que determinaria a prisão de ministros do Supremo e a implantação de estado de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no prédio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele também nega qualquer relação com um documento semelhante, descoberto pelos federais, na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, que também traçava os caminhos a serem seguidos para um rompimento institucional.
Outro documento de igual teor foi descoberto pela PF nos arquivos do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O texto de três páginas e intitulado "Forças Armadas como poder moderador", detalhava um roteiro para convocar uma intervenção militar. A partir daí, nomearia-se um interventor para investigar supostas fraudes nas eleições de 2022. Nos meses que precederam o pleito, o ex-presidente, alguns de seus ex-ministros e vários dos seus maiores divulgadores nas redes sociais fizeram intensa campanha contra o sistema eleitoral, colocando em dúvida principalmente a eficiência das urnas eletrônicas.
Elos fortes
Para especialistas ouvidos pelo Correio, para a PGR encontrar ligações entre o Palácio do Planalto e o 8 de janeiro, é sinal de que esses elos são fortes. O criminalista Welington Arruda acredita que, exatamente por isso, o inquérito que apura os atos golpistas estaria na reta final.
O jurista Tiago Oliveira, porém, espera uma "bala de prata" no inquérito capaz de colocar Bolsonaro no centro da tentativa de golpe de Estado. "Embora existam indícios de que tenha incentivado o descrédito nas instituições e estimulado a polarização política, a ausência de uma ordem explícita para a prática de atos de violência dificulta a atribuição de responsabilidade penal direta. A minuta de um decreto de intervenção federal encontrada na residência de um de seus aliados, e a reunião com as Forças Armadas, embora relevantes, não constituem, isoladamente, provas suficientes para sustentar uma condenação por crimes como incitação à violência ou golpe de Estado", observa.
O advogado Wallyson Soares aponta que se a ligação apontada pela PGR for estabelecida, fica caracterizado atentado contra o Estado Democrático de Direito. "As evidências apontam para articulações que podem caracterizar crimes contra o Estado Democrático de Direito, como conspiração para golpe e abuso de poder. As mensagens e reuniões sugerem uso indevido de cargos públicos para planejar uma ruptura institucional. Se confirmada a participação de Bolsonaro, ele poderá ser indiciado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e atos preparatórios para a ruptura democrática, tipificados no Código Penal. A tentativa de usar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou estados de defesa e sítio seriam elementos graves", adverte.
Principais personagens
Jair Bolsonaro — Em 5 de julho de 2022, o ex-presidente conduziu uma reunião na qual ele aparece dizendo aos ministros presentes que era necessário agir antes das eleições para que o Brasil não virasse "uma grande guerrilha". Essa gravação é uma das peças- chave da operação da Polícia Federal contra militares e ex-ministros suspeitos de participarem de uma tentativa de golpe de Estado. "Sabemos que,
se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições", acusou, insinuando que haveria fraude.
Mauro Cid — O tenente-coronel do Exército é considerado um arquivo vivo. A gravação em que Bolsonaro se reúne com ministros e na qual, supostamente, se discute uma tentativa de golpe, foi encontrada pela Polícia Federal em seu notebook. No celular do ex-ajudante de ordens da Presidência também foi descoberto um roteiro para um golpe de Estado. Ainda de acordo com a PF, o militar atuaria em várias frentes da empreitada golpista — como orientação de manifestações e participação no monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Cid participava de cinco de seis núcleos ligados à tentativa de desestabilizar as instituições.
Anderson Torres — O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública tonara-se secretário de Segurança Pública do Distrito federal — à despeito da insistência de auxiliares do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva junto ao governador Ibaneis Rocha de que não o colocasse na função. No domingo em que os bolsonaristas desceram a Esplanada dos Ministérios para depredar as sedes dos Três Poderes, Torres estava nos Estados Unidos com a família e o sistema de segurança do DF estava seriamente desfalcado de comandantes. O ex-ministro nega que tenha viajado para dar as costas à tentativa de golpe — alega que as férias estavam há tempos programadas. Na casa de Torres também foi achada a primeira "minuta golpista", com o roteiro do que deveria ser feito para uma ruptura institucional.
Credito: (Colaborou Fabio Grecchi) Correio Braziliense
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