Em menos de um mês, três casos de violência policial na capital paulista ganharam destaque na imprensa: a morte do estudante de medicina Marco Aurélio Acosta, vítima de um policial militar; a execução de Gabriel Renan da Silva, alvejado pelas costas; e o caso de um entregador arremessado de uma ponte por um soldado da PM. O que essas ocorrências têm em comum é que todas foram registradas por terceiros, ou seja, não foram reveladas por câmeras corporais dos policiais.
Na visão da pesquisadora Malu Pinheiro, do Instituto Sou da Paz, esses três casos só ganharam notoriedade porque foram expostos por terceiros, o que mostra que as câmeras corporais “deveriam ser de uso obrigatório pelas polícias do estado de São Paulo”.
A linha do tempo das câmeras corporais
Em agosto de 2020, a gestão Doria implementou o programa Olho Vivo — um sistema de câmeras corporais acopladas ao uniforme dos policiais militares para registrar a rotina de trabalho dos agentes. Estudos mostram que a iniciativa contribuiu para a redução da letalidade policial. O programa foi mantido durante o o governo de Rodrigo Garcia (DEM) e, em 2022, o estado de São Paulo registrou o menor número de mortes por ação dos agentes.
Mesmo com a eficácia do programa, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ainda na condição de postulante ao governo de São Paulo, fazia críticas ao uso do equipamento. Ele argumentava que os criminosos é que deveriam ser monitorados, e que as câmeras poderiam inibir o trabalho dos agentes de segurança.
Após eleito, ainda no início de 2023, Tarcísio congelou a aquisição dos equipamentos. A própria gestão reconheceu a medida em julho, mas ressaltou a intenção de ampliar o programa no futuro.
Em setembro do ano seguinte, o governo de São Paulo firmou um contrato, por meio de licitação, com a empresa Motorola Solutions para a aquisição de 12 mil novas câmeras corporais.
O secretário de segurança pública do estado, Guilherme Derrite, porém, explicou que os equipamentos não fariam gravações contínuas, mas seriam acionados apenas durante as ocorrências. Além disso, os agentes teriam a possibilidade de iniciar e finalizar a filmagem.
Essa mudança gerou críticas por parte de especialistas na área. No dia 21 de novembro, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, exigiu que o governo de São Paulo apresentasse detalhes sobre o contrato e o cronograma detalhado para a execução do programa, com informações sobre testes, treinamento e capacitação para o uso das câmeras.
A escalada da violência policial em São Paulo
A postura de Tarcísio começou a mudar depois que o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, foi morto no dia 20 de novembro por um policial militar em meio ao atendimento de uma ocorrência de desentendimento na Vila Marina, Zona Sul de São Paulo. A ação foi registrada por câmeras de segurança de um hotel.
Após o ocorrido, o governador se pronunciou por meio das redes sociais, reconheceu que houve abusos por parte dos agentes e ressaltou que eles seriam “severamente punidos”.
Menos de um mês antes, em 3 de novembro, Gabriel Renan da Silva Soares foi executado a tiros pelo policial militar à paisana Vinicius de Lima Britto após furtar pacotes de sabão do mercado Oxxo, no bairro Jardim Prudência, Zona Sul de São Paulo.
O caso veio à tona no dia 2 de dezembro, quando foram divulgadas imagens das câmeras de segurança do estabelecimento que mostram o agente sendo atendido no caixa. Em seguida, Gabriel aparece correndo para fora da loja, mas acaba escorregando em um pedaço de papelão na porta do estabelecimento e cai.
O policial militar disparou contra Gabriel pelas costas, alegando ter agido em legítima defesa após a vítima afirmar estar armada.
Outro caso que ganhou atenção aconteceu no dia 2 de dezembro, quando um agente militar arremessou um entregador – que estava algemado e não demonstrava resistência – do alto de uma ponte na Vila Clara, zona sul de São Paulo. Pessoas que estavam ao redor gravaram o ocorrido, que rapidamente viralizou nas redes sociais. O homem sobreviveu à queda.
A visão dos especialistas
Em entrevista ao site Isto É, o pesquisador Renato Alves, do NEV/USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo), enfatizou que o uso das câmeras corporais nas gestões anteriores “contribuiu significativamente para a redução das mortes causadas pela polícia”.
Essa visão é compartilhada pela pesquisadora Malu Pinheiro, do Instituto Sou da Paz, que vai além, afirmando que as imagens gravadas por terceiros desempenharam um papel crucial em evidenciar que as ações policiais estão fora de controle e completamente em desacordo com os protocolos que deveriam ser seguidos pelos agentes.
A pesquisadora argumenta que a formação dos agentes precisa ser reavaliada, mas destaca que a própria estrutura institucional impede uma mudança no comportamento da tropa. Ela apontou que os altos comandos continuam justificando as ações violentas contra a população e dificultando a implementação de protocolos mais eficazes e menos prejudiciais à vida.
Devido à grande repercussão dos casos, que chocaram a opinião pública, Tarcísio veio a público na quinta-feira, 5, e admitiu que estava errado em ser contra o uso do equipamento. “Hoje eu estou absolutamente convencido que é um instrumento de proteção da sociedade, do policial, e nós vamos não só manter o programa, mas ampliar e tentar trazer o que tem de melhor em termos de tecnologia”, completou.
O governador ainda destacou que os agentes que cometerem transgressões serão exemplarmente punidos. O policial militar Vinícius de Lima Britto foi preso preventivamente após ser denunciado pelo MPSP (Ministério Público de São Paulo) por homicídio qualificado. Já o soldado que jogou o rapaz da ponte também acabou sendo detido e encaminhado ao Presídio Romão Gomes. Os outros 12 agentes envolvidos no caso foram afastados de suas funções.
No mesmo dia da declaração de Tarcísio, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que pretende destinar R$ 27,8 milhões para que o estado de São Paulo compre mais 2 mil novo equipamentos. Com essa adição, a Polícia Militar passará a contar com 14 mil câmeras corporais, ampliando o programa em 38%.
Credito: ISTOÉ
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