📸 Mobilização popular quer que CLT seja alterada. Foto: Thiago Gadelha
- Profissionais de Saúde ouvidos pelo Diário do Nordeste avaliam que a mudança no atual regime pode resultar em melhor saúde e desempenho
O fim da escala 6x1, na qual o trabalhador é submetido a seis dias de expediente um dia de folga, virou discussão ao longo das últimas semanas, após uma mobilização em torno de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encampada pela deputada federal Érika Hilton (Psol-SP). A parlamentar conseguiu, inclusive, coletar assinaturas de congressistas que permite a propositura começar a tramitar. Então, para além das discussões relacionadas aos aspectos econômicos, qual o impacto na saúde física e mental do trabalhador tem a escala atual — e também a sua alteração?
A mobilização popular visa alterar a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e tomou corpo por iniciativa do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), nascido após um desabafo de Rick Azevedo (Psol-RJ), eleito vereador pela capital fluminense para a próxima legislatura, em uma postagem no seu perfil no TikTok. A principal alegação da proposta é de que o fim da jornada 6x1 poderá trazer uma melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores.
O entendimento de que regimes excessivos de trabalho podem trazer malefícios para profissionais não é tão recente. Em 2007, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) já indicava a necessidade de redução da jornada de trabalho para a geração de empregos de qualidade. Em nota técnica, a instituição mencionou a relação entre o trabalho excessivo e condições como estresse, depressão, e lesões por esforço repetitivo (LER), além de dificuldades para o convívio familiar.
Em 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicaram um apanhado de dados coletados entre 2000 e 2016, que mostravam a ocorrência de mortes em decorrência de doenças relacionadas ao trabalho. No período coberto pelo levantamento realizado pelos braços de Saúde e Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), foram contabilizadas cerca de 1,9 milhão de mortes.
A exposição a longas jornadas de trabalho foi um fator de risco alegado no documento, sendo associada ao aumento do número de casos de doenças cardíacas e de Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs). Somente em 2016, um total de 745.194 mortes registradas pela OMS e pela OIT foram atribuídas a essa condição de trabalho excessiva.
FIM DA ESCALA 6X1: A PEC ESTÁ AVANÇANDO
— ERIKA HILTON (@ErikakHilton) November 9, 2024
A luta pelo fim da escala de trabalho 6x1 TOMOU as redes sociais.
Como autora no Congresso, em parceria com o querido @RickAzzevedo, da PEC que acaba com a escala 6x1, venho aqui dizer que isso ESTÁ DANDO CERTO, e que não pode parar 👇🏽…
Prejuízos da escala 6x1
Para o médico Roberto Bob Maranhão, especializado em Saúde da Família e membro do Coletivo Rebento — que reúne profissionais que militam na defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e de causas sociais — correlacionar a escala 6x1 com o processo de adoecimento é, “praticamente, constatar o óbvio”.
Ele indicou que dados como os da OIT e OMS “reforçam a ideia dos prejuízos”. “Talvez a grande justificativa que faça essa correlação da saúde com a mudança da escala de trabalho seja em relação aos atestados médicos. Os afastamentos são, comprovadamente, verificados em número decrescente quando você amplia o período de descanso do trabalhador”, salientou, ao prescrever o ajuste em dias de trabalho para melhoria das condições e do desempenho de cada empregado.
Maranhão chamou atenção para os fatores associados que podem atingir a saúde, como a integridade física e o bem-estar daquele ou daquela que trabalha. Estão englobadas nessa conta situações de insegurança no percurso casa-trabalho, a alimentação não saudável, a má qualidade e as intercorrências vivenciadas no transporte público, assim como a ocorrência de acidentes envolvendo veículos individuais. Todos esses fatores, pelo que considerou, teriam um impacto positivo caso a escala fosse reduzida.
- 745.194
- Esse foi o número de mortes atribuídas à condição de trabalho excessivo apenas em 2016, segundo a OMS e a OIT
á a professora Maxmiria Holanda Batista, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e docente da Universidade Federal do Ceará (UFC), que pesquisa os transtornos mentais relacionados ao trabalho, contextualizou que a escala 6x1 “está fortemente associada a diversos prejuízos à saúde dos trabalhadores”. Segundo a estudiosa, além das condições físicas indicadas pela OMS e pela OIT, “a saúde mental dos trabalhadores também é impactada”.
“As jornadas exaustivas e as condições precárias do ambiente laboral têm efeitos diretos na saúde mental e física das pessoas”, salientou a entrevistada, pontuando que as condições precárias se dão por meio de situações como a falta de pausas adequadas entre jornadas, pela ausência de descanso entre turnos e pelo trabalho em horários irregulares.
O professor Iratan Bezerra de Sabóia, doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e docente da mesma instituição de ensino, afirmou que qualquer reflexão sobre jornada de trabalho não pode ser feita isoladamente, mas pensando também no universo de implicações relacionadas a ela.
Conforme explicou o pesquisador, que atua na área da Psicologia do Trabalho e das Organizações, o resultado dos excessos no ambiente de trabalho, especificamente no campo da saúde mental, não é imediato. Segundo ele, agravos como a ansiedade, a depressão, o estresse e a Síndrome de Burnout são sentidos a longo prazo e têm relação com outras questões.
Pelo que pontuou Sabóia, o tempo gasto no deslocamento entre a casa e o trabalho, a falta de descanso e de espaço na agenda para outras práticas extra-laborais — a exemplo das atividades de lazer — são fatores diretamente relacionados com o trabalho e que podem incorrer no adoecimento. “Isso resulta em quê? Sobrecarga. E ela, por via de regra, resulta em agravo à saúde”, correlacionou.
📸 PEC que pode dar fim para escala 6x1 está na fase de coleta de assinaturas. Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
Novas compreensões
Alguns termos ainda são recentes no vocabulário do trabalhador brasileiro. Um deles e que está ligado com a realidade de muitos é a Síndrome de Bournout. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) estima que 30% dos trabalhadores do país sofra com o problema. Entre os sintomas da doença ocupacional está o cansaço mental e físico excessivo, dores musculares, pensamentos suicidas, insônia, dores de cabeça e no corpo, pressão alta e tristeza excessiva.
A condição foi uma das doenças relacionadas ao trabalho incluídas no rol do Ministério da Saúde no fim do ano passado. A listagem não era atualizada há 24 anos. Nela constam uma relação de questões relacionadas com problemas na organização e duração da jornada de trabalho, assim como fatores psicossociais que têm ligação com o tema.
A partir dessa iniciativa da gestão federal, políticas públicas podem ser pensadas a fim de prevenir ou até mesmo controlar o número de ocorrências dessas patologias.
Questionado se acredita que isso demonstra uma sensibilidade maior do Poder Público para com o assunto, Iratan Sabóia falou que acredita nessa possibilidade. “Isso vem sendo encampado pela própria ciência”, atribuiu.
"Com certeza, os órgãos públicos hoje estão mais sensíveis a isso. E não só eles, mas a sociedade.
Iratan Bezerra de Sabóia
Professor da UFC e doutor em Psicologia"
No entendimento do profissional, o adoecimento por causa laboral faz com que “a conta não feche”. “Não fecha, inclusive, para o governo, porque [isso] pode superlotar o sistema de saúde”, arrematou o entrevistado.
Maxmiria Batista, por sua vez, foi mais enfática ao dizer que a eliminação da escala 6x1 “pode resultar em melhorias significativas no bem-estar e na saúde dos trabalhadores”.
"A adoção de jornadas que permitam períodos de descanso mais frequentes e adequados favorece a recuperação física e mental, reduzindo a incidência de agravos à saúde relacionados ao trabalho.
Maxmiria Holanda Batista
Professora da UFC e doutora em Saúde Coletiva"
Bob Maranhão, entretanto, disse que a exclusão da escala 6x1 não encerra a problemática na saúde pública, mas serve como um esforço inicial. “Não vai resolver tudo. Isso é somente um primeiro passo”. Como complemento, ele propôs que, além da modificação na escala, deve ser promovido um “conjunto de ações”.
''Inclusive para fomentar o desenvolvimento pessoal, oportunizando que nesse tempo livre elas não vão cair na armadilha de utilizar desse tempo para o que não faz bem para a saúde.
Roberto Bob Maranhão
Médico e membro do Coletivo Rebento"
Debate econômico X viés de saúde
Apesar da correlação direta entre a proposta do fim da escala 6x1 com a saúde, a pauta tem considerado principalmente os aspectos econômicos. Os que fazem oposição ao encerramento do regime alegam que a alteração causaria perda da produtividade e o aumento dos custos operacionais das empresas, apesar de quem propõe enumerar benefícios como o próprio aquecimento de setores da economia e um rendimento maior da mão de obra.
Em razão da dinâmica com que o debate tem sido tratado, o único representante do Governo Federal que se manifestou até o momento foi o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), que defendeu, nesta segunda-feira (11), uma “discussão aprofundada e detalhada” e disse que o assunto deveria ser tratado em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados.
Credito: DIÁRIO DO NORDESTE
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