📸 A presidente da Comissão Europeia é Ursula Von der Leyen
- Essa visita demonstra o compromisso da União Europeia em fortalecer laços com o Mercosul, mesmo diante da oposição do presidente francês Emmanuel Macron.
Chefe da UE vai ao Uruguai em apoio a acordo com Mercosul apesar de oposição de Macron
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, anunciou nesta quinta-feira (5/11) sua chegada ao Uruguai, onde é realizada a Cúpula de Líderes do Mercosul, aumentando as expectativas de que o acordo do bloco de livre comércio com a União Europeia (UE) seja concluído.
"Pousamos na América Latina. A linha de chegada do acordo UE-Mercosul está à vista. Vamos trabalhar, vamos atravessá-la. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas", escreveu a chefe da UE na rede social X.
Von Der Leyen disse ainda que o pacto é "a maior parceria de comércio e investimento que o mundo já viu": "Ambas as regiões se beneficiarão".
Horas depois, o governo da França reiterou sua oposição ao acordo em sua conta no X ao dizer que o pacto "é inaceitável como está" e que o presidente Emmanuel Macron disse isso à chefe da UE.
"Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola", afirmou o governo francês, ressaltando que, em sua visão, o acordo com o Mercosul representa uma ameaça ao agro no país.
Por isso, Macron vem costurando uma aliança para se opor ao acordo em sua deliberação entre os parlamentares dos países-membros do bloco europeu para conseguir barrar sua aprovação mesmo que seja assinado pela Comissão Europeia, o órgão executivo da UE.
O acordo executivo é defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera no Uruguai a última reunião da cúpula do Mercosul durante a presidência do Brasil do bloco, que passará às mãos da Argentina do presidente Javier Milei.
A assinatura do acordo encerraria uma negociação que já dura 25 anos.
Mas esta não é a primeira vez que cresce a expectativa em torno de um possível anúncio de um acordo.
O mesmo ocorreu na Cúpula do Mercosul de 2023, no Rio de Janeiro. Mas o anúncio não veio e o clima que se instalou no governo foi de decepção.
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que o acordo estava para sair, o que também não se concretizou.
Otimismo brasileiro, oposição francesa
Neste ano, o governo e a diplomacia brasileiros deram novas demonstrações de otimismo.
“Pretendo assinar esse acordo este ano ainda”, disse Lula durante um evento na semana passada.
O principal negociador do acordo pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), Maurício Lyrio, disse que o governo está “esperançoso”.
“Estamos vendo de maneira positiva o desenrolar das negociações”, afirmou.
Segundo o governo brasileiro, os negociadores dos dois blocos já finalizaram as tratativas em torno do texto e as últimas questões pendentes foram submetidas aos chefes de Estado do Mercosul e da União Europeia.
Na prática, isso significa dizer que a finalização do acordo ou não depende, agora, da vontade política dos dois blocos.
Mas o otimismo brasileiro contrasta, novamente, com a resistência de um importante membro da UE.
Há anos, a França vem tentando barrar o avanço do acordo e, neste ano, Macron deu diversas declarações se colocando contra a finalização do tratado.
“A França se opõe a este acordo”, disse Macron em novembro, durante viagem oficial a Buenos Aires.
Na raiz da oposição francesa está a pressão de agricultores do país que temem a concorrência dos produtos do Mercosul, especialmente a carne produzida por Brasil, Argentina e Uruguai.
Mas apesar de ser a segunda maior economia do bloco europeu (atrás apenas da Alemanha), a França sabe que, sozinha, não teria condições técnicas de barrar o avanço do acordo negociado pela Comissão Europeia.
“Se os franceses não quiserem o acordo, eles não apitam mais nada, quem apita é a Comissão Europeia”, disse Lula na semana passada.
Por isso, a França vem tentando nos últimos meses pôr em prática uma estratégia capaz de barrar o avanço das negociações.
A BBC News Brasil conversou com diplomatas e funcionários do governo brasileiro e europeus, além de especialistas em relações internacionais para entender como funciona a estratégia francesa e como ela pode (ou não) “melar” o acordo entre a União Europeia e o Mercosul mais uma vez.
Minoria qualificada: a estratégia de Macron
A estratégia da França para barrar o acordo entre a União Europeia e o Mercosul é formar o que ficou conhecido como uma “minoria qualificada” no Conselho da União Europeia.
Esse mecanismo exige que pelo menos quatro países, representando juntos mais de 35% da população do bloco, se oponham ao acordo para que ele seja rejeitado. Para alcançar esse objetivo, a França precisa conquistar o apoio de mais três países que, somados à sua população, representem aproximadamente 156 milhões de pessoas.
Para entender como essa estratégia funciona, é essencial compreender os mecanismos da União Europeia para a negociação de acordos comerciais.
Quem negocia o texto do acordo é a Comissão Europeia, um órgão formado por comissários de todos os 27 países-membros da UE.
A presidente da comissão, Ursula von der Leyen, já se manifestou favorável ao acordo. O órgão tem autonomia para negociar com outros países ou blocos econômicos, como o Mercosul.
Depois de encerrada a fase de negociações, o texto do acordo é submetido à aprovação pelo Conselho da União Europeia.
Para ser aprovado, ele precisa do apoio de 55% dos países do bloco (15 dos 27), que juntos representem ao menos 65% da população total da UE. Esse sistema de maioria qualificada foi criado para equilibrar o poder entre países mais e menos populosos, evitando que os maiores imponham unilateralmente suas vontades.
No caso francês, além de sua própria oposição, o país já conta com o apoio oficial da Polônia, totalizando 104 milhões de habitantes. Para alcançar o número necessário para bloquear o acordo, a França aposta que Itália, Países Baixos e Áustria se juntem a eles, formando assim a minoria qualificada necessária para barrar a proposta no Conselho Europeu.
Apesar de o acordo ainda não ter sido submetido à votação da Comissão Europeia, um diplomata brasileiro ouvido pela BBC News Brasil sob condição de anonimato afirmou que se a França obtiver o apoio público dos países necessários à composição dessa minoria qualificada, o órgão liderado por Ursula Von der Leyen ficaria em uma situação delicada para avançar com o acordo.
Caso a Comissão dê seu aval ao acordo, ele ainda dependerá da aprovação do Parlamento Europeu para entrar em vigor, segundo diplomatas explicaram à reportagem.
Já do lado do Mercosul, o acordo terá que ser aprovado pelo parlamento de cada membro do bloco.
📸 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, durante reunião na Cúpula do G20. Há expectativa de que Mercosul e União Europeia anunciem a finalização do acordo de livre comércio entre os dois blocos
Protecionismo à francesa
Especialistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a principal razão pela qual a França se opõe ao acordo é a resistência organizada de agricultores do país. Apesar de ser uma das principais potências industriais do bloco europeu, o lobby da agricultura é visto como poderoso e influente.
“Macron está lidando com pressões, principalmente de setores agrícolas na França. Os fazendeiros de lá terão que lidar com a concorrência de um país como o Brasil que tem um setor agropecuário muito forte. Essa é a grande questão por trás da resistência ao acordo”, disse à BBC News Brasil o professor Cairo Junqueira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Nos últimos meses, as principais associações que representam o agronegócio francês deram início da manifestações contrárias à assinatura do acordo sob a alegação de que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos e abrirá as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
Paralelamente, a rede de supermercados francesa Carrefour anunciou, há duas semanas, que deixaria de comprar carne produzida pelo bloco. Após a repercussão negativa do anúncio, a companhia recuou.
“O protecionismo agrícola é muito forte e acho que é a principal barreira ao avanço do acordo. Os setores agrícolas da França e da Irlanda temem a competição com produtos do Mercosul”, disse a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan.
A professora está em Berlim nesta semana e passou os últimos dias conversando com parlamentares alemães sobre o assunto.
Segundo ela, os políticos alemães deixaram claro que o acordo só não foi anunciado até agora por conta da oposição de Macron.
“Foi muito reforçado aqui na Alemanha que quem está colocando uma barreira para o acordo é a própria França e que o acordo não teria sido assinado no G20 por conta do Macron”, disse a professora em referência à cúpula de líderes do G20 realizada no Rio de Janeiro em novembro.
Um funcionário do governo brasileiro a par das negociações entre os dois blocos disse à BBC News Brasil em caráter reservado que, apesar do otimismo expressado pelo governo brasileiro oficialmente, o cenário para a assinatura do acordo ainda é incerto.
Segundo ele, além da pressão contrária feita pelo governo francês, o país ainda enfrenta uma crise política grave depois que o Parlamento aprovou um voto de desconfiança em relação ao governo na quarta-feira (4/11). É a primeira vez que o governo é derrubado por um voto de desconfiança desde 1962.
Agora, Macron precisa apontar um novo primeiro-ministro cujo nome precisa ser aprovado pelo Parlamento.
Na avaliação da fonte ouvida pela BBC News Brasil, o temor entre brasileiros e europeus é de que em meio ao cenário conturbado, aprovar o acordo entre União Europeia e Mercosul poderia gerar ainda mais descontentamento contra Macron e alimentar a oposição de extrema-direita liderada pela parlamentar Marine Le Pen, que vem, inclusive, defendendo a sua renúncia.
Na avaliação da professora Regiane Bressan, no entanto, as chances de a França “melar” o acordo parecem remotas no momento.
“O que pude coletar de informações aqui em Berlim é de que o caminho será o da assinatura. A França vai continuar se opondo e talvez promova uma mobilização grande no Parlamento Europeu ou nas ruas, mas não vejo que haja mais tempo para isso. Faltam dois dias para a Cúpula do Mercosul, apenas”, disse.
Cairo Junqueira, da UFS, também avalia que a França, sozinha, não conseguiria conter o acordo se não conseguir formar a coalizão.
“Isoladamente, é muito difícil a França conseguir barrar. Por isso ela vem procurando formar essa coalizão com outros países”, afirmou o professor.
Efeito Trump
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil pontuam que, apesar da resistência francesa, um outro elemento pode ajudar a destravar as negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia: a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.
Segundo eles, a promessa de impor tarifas sobre produtos estrangeiros feita por Trump pode fazer com que sul-americanos e europeus se unam para enfrentar um eventual recrudescimento do protecionismo norte-americano.
“É importante lembrar que a primeira assinatura do acordo, em 2019, teve a eleição de Trump como impulso. Agora, é possível que esse novo mandato possa abrir um canal para avançar com esse acordo de livre comércio”, afirmou Cairo Junqueira.
Para a Regiane Bressan, os países favoráveis ao acordo na Europa, encabeçados pela Alemanha e pela Espanha, consideram o tratado com o Mercosul como estratégico em meio às incertezas geopolíticas atuais.
“Esses países estão com medo do fator Trump e, também, com relação ao poder de países como China e Rússia na América do Sul. Para a Alemanha, por exemplo, o acordo é uma forma de ampliar ou manter a influência da Europa na América do Sul em um contexto de crescente influência da China e da Rússia”, disse.
Mais de duas décadas de negociação
O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de alguns bens e serviços produzidos nos dois blocos.
Em 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), os dois blocos assinaram o acordo. Para começar a valer, porém, o texto precisava passar por uma revisão técnica e pela ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos.
Após quatro anos paralisado, o acordo voltou a ser negociado após a mudança de governo no Brasil, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto. Desde então, o acordo foi travado por exigências ambientais e questionamentos de setores como o agronegócio francês.
Em dezembro do ano passado, durante a Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro, negociadores dos dois blocos chegaram a ficar próximos de uma versão final do acordo, mas ele não foi assinado.
Um estudo divulgado no início deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que o acordo poderia ter impactos positivos sobre o produto interno bruto do Brasil (PIB). Segundo o estudo, entre 2024 e 2040 o PIB do país teria um aumento acumulado de 0,46%, o equivalente a US$ 9,3 bilhões por ano.
Para elaborar o estudo, os pesquisadores do Ipea utilizaram projeções de crescimento econômico do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 2014 e 2026 e replicaram as taxas de crescimento para os anos seguintes até 2040.
O estudo também aponta que o Brasil teria um aumento de 1,49% nos investimentos.
A dinâmica das importações e exportações também seria transformada. As importações brasileiras cresceriam rapidamente nos primeiros anos do acordo, atingindo um pico de US$ 12,8 bilhões em 2034, antes de recuar para US$ 11,3 bilhões em 2040. Já as exportações teriam um aumento contínuo no mesmo período, alcançando um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.
Esse movimento seria impulsionado por fatores como a redução de tarifas na União Europeia, concessões de cotas de exportação e queda nos custos domésticos de insumos e bens de capital, o que tornaria os produtos brasileiros mais competitivos no mercado global.
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