— O que é o acordo Mercosul-UE anunciado em cúpula e por que aprová-lo na Europa é tão importante para o Brasil
Após 25 anos de negociação, Mercosul e União Europeia anunciaram nesta sexta-feira (6/12) um acordo para alavancar o comércio entre os dois blocos.
No entanto, ainda faltam etapas importantes para que o tratado seja assinado e entre em vigor. E a França, principal opositora da ideia, vai tentar barrar sua implementação.
Os dois blocos anunciaram que concluíram as negociações técnicas durante a Cúpula do Mercosul, que ocorre no Uruguai, com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os outros líderes do grupo. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, também participou do anúncio em Montevidéu.
"Esse é um bom dia para o Mercosul, é um bom dia para a Europa, e, de certa forma, um momento histórico para nosso futuro compartilhado", afirmou a europeia, em seu discurso.
"Vamos garantir que esse acordo produza tudo que promete e que, realmente, ajude as gerações futuras", reforçou.
O acordo prevê redução de tarifas comerciais e facilitação de investimentos. A principal expectativa é que alavanque o comércio entre os dois continentes e seja um instrumento de fortalecimento das duas regiões, em um mundo cada vez mais polarizado entre China e Estados Unidos — país que vai entrar em fase mais protecionista com a posse de Donald Trump como presidente, em janeiro.
Na véspera do anúncio, Von der Leyen disse na rede social X que o pacto é "a maior parceria de comércio e investimento que o mundo já viu", criando "um mercado de 700 milhões de pessoas".
A França tem se mantido contra o acordo, devido à forte oposição de produtores agrícolas. O setor alega que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
Paralelamente, a rede de supermercados francesa Carrefour anunciou, há duas semanas, que deixaria de comprar carne produzida pelo Mercosul. Após a repercussão negativa do anúncio, a companhia recuou.
Se o acordo de fato for implementado, será uma importante vitória do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, dizem especialistas ouvidos pela reportagem.
Em 2019, no início do governo de Jair Bolsonaro, os blocos chegaram a anunciar um acordo, mas depois houve um congelamento das etapas finais de aprovação, em meio à piora das relações do Brasil com potências europeias.
Na ocasião, a expansão do desmatamento e o enfraquecimento das políticas ambientais aumentaram às resistências na União Europeia ao Acordo, nota Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics e especialista em Europa.
"Se o acordo sair agora, daria um novo ânimo ao Mercosul. Conseguiria contornar, de certa forma, essa crise de propósito do bloco e essa divisão política interna que têm impedido o próprio Mercosul de avançar", afirmou Pavese, em referência a governos que têm questionado o bloco, como a gestão Bolsonaro e, agora, na Argentina, a gestão de Javier Milei.
"No aspecto econômico, o acordo vai aumentar o acesso brasileiro ao mercado europeu, principalmente na área de commodities, e também vai abrir o mercado brasileiro para alguns produtos europeus, como indústria farmacêutica, setor de veículos e também serviços. Então, há um potencial ganho também para o consumidor em geral, que deve ter à sua disposição produtos importados mais baratos", ressalta.
A etapas para o acordo entrar em vigor
A BBC News Brasil ouviu diplomatas brasileiros e especialistas sobre quais seriam as próximas etapas para o acordo entrar em vigor, mas há certa divergência sobre o que acontecerá no lado da União Europeia (a reportagem procurou a assessoria de imprensa do bloco, mas não teve retorno).
Segundo os entrevistados, primeiro há uma etapa burocrática de checagem legal e tradução do que foi acordado para todas as línguas dos membros dos dois blocos.
"O Acordo de Parceria entre o MERCOSUL e a União Europeia está agora pronto para revisão legal e tradução. Ambos blocos estão determinados para conduzir tais atividades nos próximos meses, com vistas à futura assinatura do acordo", disse comunicado do Itamaraty, após o anúncio.
Depois dessa fase burocrática, do lado do Mercosul, basta a aprovação pelos parlamentos de cada um dos países — Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai são membros fundadores do bloco, enquanto Bolívia se tornou parte em julho deste ano e ainda cumpre alguns processos para concretizar plenamente a adesão.
Do lado da União Europeia, há mais etapas. Primeiro, o acordo precisa do aval de duas instâncias que reúnem representantes dos países do bloco: o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu, sediados em Bruxelas, capital da Bélgica.
A França quer evitar a aprovação nesse estágio buscando a adesão de mais países à sua posição, mas ainda não tem maioria para isso. Por enquanto, conta com apoio de Polônia, e tenta atrair Itália, Países Baixos e Áustria. Pelas regras do bloco, uma aliança desse tamanho já conseguiria barrar a proposta no Conselho Europeu.
Caso o acordo seja aprovado nas duas instituições de Bruxelas, a parte comercial, considerada a mais importante do acordo, poderia entrar em vigor, afirmam diplomatas brasileiros a par das negociações.
No entanto, o acordo amplo ainda precisará ser aprovado pelo parlamento de cada um dos 27 membros da União Europeia. Nesse ponto, há divergências entre os entrevistados.
Diplomatas brasileiros entendem que os parlamentos nacionais não poderiam barrar a parte comercial, porque as instituições de Bruxelas têm competência para decidir sobre esse tema supranacionalmente.
Doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics e especialista em Europa, Carolina Pavese tem visão diferente.
Na sua leitura, se não houver aprovação de todos os 27 membros, a parte comercial estaria ameaçada. Na hipótese de só o parlamento francês rejeitar, afirma, o acordo comercial poderia continuar valendo no restante do bloco, mas não na França.
Ela considera difícil que o acordo seja implementado definitivamente sem o aval de todos os países separadamente, porque isso fortaleceria grupos nacionais que criticam a ingerência do bloco sobre os países.
"Há estratégias que podem ser adotadas para desvincular essa parte comercial do restante do acordo, mas não há força [política] para isso acontecer e seria um suicídio para as instituições de Bruxelas num momento em que a legitimidade delas está tão questionada", acredita Pavese.
Instabilidade política na Europa
A especialista ressalta que as negociações ocorrem num momento de instabilidades políticas na Europa. A Alemanha vai realizar eleições antecipadas, em fevereiro, depois que a coalizão que sustentava o governo do social-democrata Olaf Scholz, se desfez.
A França, por sua vez, realizou eleições antecipadas para o Parlamento em julho, mas os resultados mantiveram a instabilidade, devido à falta de uma coalizão forte de governo.
No capítulo mais recente da crise, o Parlamento francês aprovou um voto de desconfiança em relação ao governo na quarta-feira (4/12), algo que não ocorria desde 1962. Agora, Macron precisa apontar um novo primeiro-ministro cujo nome precisa ser aprovado pelo Parlamento.
Um funcionário do governo brasileiro a par das negociações entre os dois blocos disse à BBC News Brasil em caráter reservado que, esse contexto não favorece o acordo Mercosul-UE, deixando cenário para a assinatura do acordo incerto.
Na avaliação dessa fonte, o temor entre brasileiros e europeus é de que, em meio ao cenário conturbado, aprovar o acordo poderia gerar ainda mais descontentamento contra Macron e alimentar a oposição da direita radical liderada pela parlamentar Marine Le Pen, que vem, inclusive, defendendo a sua renúncia.
Efeito Trump
imposição unilateral de tarifas prometida por Donald Trump
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil pontuam que, apesar da resistência francesa, um outro elemento pode ajudar a destravar as negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia: a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos.
Segundo eles, a promessa de impor tarifas sobre produtos estrangeiros feita por Trump pode fazer com que sul-americanos e europeus se unam para enfrentar um eventual recrudescimento do protecionismo norte-americano.
"É importante lembrar que a primeira assinatura do acordo, em 2019, teve a eleição de Trump como impulso. Agora, é possível que esse novo mandato possa abrir um canal para avançar com esse acordo de livre comércio", afirmou Cairo Junqueira, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, os países favoráveis ao acordo na Europa, encabeçados pela Alemanha e pela Espanha, consideram o tratado com o Mercosul como estratégico em meio às incertezas geopolíticas atuais.
"Esses países estão com medo do fator Trump e, também, com relação ao poder de países como China e Rússia na América do Sul. Para a Alemanha, por exemplo, o acordo é uma forma de ampliar ou manter a influência da Europa na América do Sul em um contexto de crescente influência da China e da Rússia", disse.
Os impactos econômicos para o Brasil
Um estudo divulgado no início deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que o acordo poderia ter impactos positivos sobre o produto interno bruto do Brasil (PIB). Segundo o estudo, entre 2024 e 2040 o PIB do país teria um aumento acumulado de 0,46%, o equivalente a US$ 9,3 bilhões por ano.
Para elaborar o estudo, os pesquisadores do Ipea utilizaram projeções de crescimento econômico do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 2014 e 2026 e replicaram as taxas de crescimento para os anos seguintes até 2040.
O estudo também aponta que o Brasil teria um aumento de 1,49% nos investimentos.
A dinâmica das importações e exportações também seria transformada. As importações brasileiras cresceriam rapidamente nos primeiros anos do acordo, atingindo um pico de US$ 12,8 bilhões em 2034, antes de recuar para US$ 11,3 bilhões em 2040. Já as exportações teriam um aumento contínuo no mesmo período, alcançando um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.
Esse movimento seria impulsionado por fatores como a redução de tarifas na União Europeia, concessões de cotas de exportação e queda nos custos domésticos de insumos e bens de capital, o que tornaria os produtos brasileiros mais competitivos no mercado global.
Há setores brasileiros, porém, que desconfiam dos impactos positivos.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), junto com outros sindicatos de países sul-americanos, criticou no ano passado o acordo por entender que ele colocaria em risco empregos industriais, uma vez que as empresas brasileiras não seriam tão competitivas quanto as europeias e a redução de impostos de importação de produtos do bloco europeu poderia levar ao fechamento de indústrias no Brasil.
Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) discorda dessa avaliação e apoia o acordo. O setor entende que a redução das tarifas de importação vai baratear insumos importados da Europa e abrir mercado para produtos brasileiros no bloco europeu.
"Em tempos marcados por turbulência geopolítica e inúmeras crises, as interrupções nas cadeias de abastecimento e as pressões sobre as indústrias se tornam cada vez mais frequentes. O aprofundamento de nossas relações comerciais é fundamental para assegurar a resiliência de nossas economias. O acordo UE-Mercosul nos permite avançar em nosso compromisso com um comércio livre, justo e sustentável", diz trecho de um documento divulgado em novembro pela CNI junto com outras 78 associações empresarias da União Europeia e do Mercosul.
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