- Relatório da Polícia Federal mostra que intuito do ex-presidente Jair Bolsonaro e de grupo palaciano de militares esbarrou na falta de apoio de colegas de farda
O inquérito da Polícia Federal (PF) sobre a conspiração para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva traz provas e depoimentos que envolvem diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu entorno no Palácio do Planalto na trama. A investigação também dá pistas sobre alguns dos motivos que levaram o plano ao fracasso. O principal, pelo que se depreende da leitura das quase 900 páginas produzidas pela PF, foi a reação de boa parte do Alto Comando das Forças Armadas às propostas golpistas para melar o resultado das eleições de 2022.
Dois personagens do governo anterior incorporaram o sentimento legalista e enfrentaram a reação de colegas simpatizantes da ruptura institucional, de acordo com depoimentos que constam do inquérito: os comandantes da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, e do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes. Por causa dessa posição, foram alvos de campanhas difamatórias nas redes sociais, promovidas por altos oficiais envolvidos na trama — em especial, os ex-ministros da Defesa Braga Netto (que foi candidato à vice-presidente na chapa de Bolsonaro, em 2022) e Paulo Sérgio de Oliveira, que o sucedeu na pasta.
Segundo o inquérito, há evidências de que Braga Netto mobilizou milícias digitais para atacar não só Freire Gomes e Baptista Junior, como as famílias dos dois e outros militares que se opunham ao golpe. "Senta o pau no Baptista Junior, inferniza a vida dele e da família", escreveu o general em uma mensagem descoberta pela polícia. O comandante da Aeronáutica foi chamado, nessa conversa, de "traidor da pátria". Em depoimento à PF, Batista Júnior disse que precisou desativar todas as suas redes sociais devido aos ataques.
O ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) também revelou como Paulo Sérgio de Oliveira tentou cooptá-lo para aderir ao golpe. Disse aos investigadores que, após o segundo turno das eleições presidenciais, participou de "cinco ou seis" reuniões no Palácio da Alvorada com Bolsonaro, assessores palacianos e colegas do Alto Comando. Para a PF, Paulo Sérgio "atuou de forma concreta para tentar pressionar os então comandantes das Forças Armadas a aderirem ao plano de golpe".
Em 14 de dezembro, o brigadeiro e os demais comandantes foram apresentados a uma versão do decreto golpista que Bolsonaro pretendia editar, segundo os investigadores. "Baptista Junior descreveu a dinâmica dos fatos, após o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio, apresentar o decreto", narra o inquérito. O então comandante da Aeronáutica perguntou ao ministro: "Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?". De acordo com a PF, "Baptista Junior afirmou que, após sua indagação, Paulo Sérgio ficou calado."
Saída da sala
O brigadeiro disse que havia uma ordem sendo preparada pelo Planalto para impedir a posse de Lula, mas que alertou ao ministro da Defesa que "não admitiria sequer receber o documento e que a Aeronáutica não admitiria um golpe de Estado". Em seguida, retirou-se da sala.
Foi o comandante da Aeronáutica que revelou à PF que Freire Gomes alertou Bolsonaro de que, se houvesse tentativa de golpe, teria que "prender o presidente". Nas redes sociais, Braga Netto costumava referir-se ao comandante do Exército como "cagão".
O único comandante de Força que "colocou as tropas à disposição" do golpismo foi almirante Almir Garnier, que está entre os 25 militares indiciados. Ontem, a Marinha divulgou nota negando mobilização de apoio ao golpe.
A falta de apoio militar, para a PF, "não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final". Por isso, Bolsonaro "apesar de estar com o decreto (de intervenção) pronto, não o assinou", aponta o relatório. "Bolsonaro (...) saiu do país para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023", conclui a PF.
Melancias e espantalhos
Havia mais oficiais de alto escalão contrários à quebra da normalidade constitucional. Esses militares eram chamados, nas redes sociais, de "melancias" — verdes (cor do Exército) por fora, vermelhos (comunistas) por dentro, em uma campanha orquestrada para atacar quem não aderisse ao plano intervencionista. Para a PF, Braga Netto e Paulo Sérgio estão entre os principais estimuladores das milícias digitais contra os legalistas.
Entre os alvos das mensagens de ódio estava o atual comandante do Exército, Tomás Paiva. No fim do governo Bolsonaro, ele chefiava o Comando Militar do Sudeste. Foi nessa função que fez a única declaração pública de um oficial da ativa em defesa do resultado das eleições, em 18 de janeiro de 2023. Três dias depois, foi convidado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva Lula para substituir o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, demitido por defender os acampamentos golpistas em frente às unidades militares.
A PF também cita mais dois altos oficiais contrários à ruptura democrática. Em 2022, o general André Luís Novaes Miranda (que chefiou o Comando Militar do Leste até novembro de 2023) recomendou aos colegas de oficialato que não participassem dos atos de 7 de setembro daquele ano por causa da politização da data cívica. O general Guido Amin Naves, que chefiava o Departamento de Ciência e Tecnologia, também se opôs ao golpe — assim como o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, e o comandante do Estado Maior do Exército, Valério Stumpf.
Credito: Correio Braziliense
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