Foram necessários dez dias para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se manifestasse publicamente sobre os primeiros atos e declarações do presidente norte-americano, Donald Trump.
Nesta quinta-feira (30/1), Lula concedeu uma entrevista coletiva em que disse que reagiria na mesma moeda se Trump cumprir as ameaças de impor tarifas a produtos brasileiros.
"É muito simples. Se ele taxar os produtos brasileiros, haverá reciprocidade do Brasil", disse o presidente.
Lula não citou a polêmica em torno dos voos enviados pelo governo dos Estados Unidos com brasileiros deportados e voltou a dizer que deseja sucesso a Trump e que Brasil e Estados Unidos possam colaborar e manter o nível das relações que os dois países têm há 200 anos.
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"Trump foi eleito para governar os Estados Unidos, e eu mandei uma carta para ele [dizendo] que eu espero que ele tenha uma boa governança para os Estados Unidos", disse Lula.
"Eu fui eleito para governar o Brasil. Eu quero respeitar os Estados Unidos e quero que o Trump respeite o Brasil. É só isso. Se isso acontecer está de bom tamanho."
Mas apesar de indicar uma eventual reação em caso de tarifaço americano, o tom geral das declarações de Lula sobre Trump refletiu uma linha de ação identificada por analistas e diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil nos últimos dias: cautela em meio a um cenário imprevisível.
"Ele [Lula] e o Itamaraty não trouxeram o assunto, mas quando foi questionado, Lula deu a resposta que, a meu juízo, é a única possível neste momento", diz à BBC News Brasil o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes.
"Aqueles que não se colocarem serão atropelados. Mas Lula não está propondo nada. Ele não está tomando o primeiro passo."
Nas primeiras duas semanas de seu novo mandato, Trump deu declarações e tomou medidas que deixaram líderes mundiais, especialmente os latino-americanos, preocupados.
"Eles [América Latina] precisam de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todos precisam de nós", disse Trump no dia de sua posse.
Trump deu início a uma ofensiva contra imigrantes sem documentos, cortou verbas de programas humanitários que funcionavam na região, ameaçou impor tarifas à Colômbia e ao México e disse que tomaria de volta o Canal do Panamá.
O Brasil também entrou no alvo do governo americano. Em um discurso nesta semana, Trump colocou o Brasil no grupo de países que, segundo ele, prejudicam os Estados Unidos ao impor tarifas sobre seus produtos.
"Vamos impor tarifas a países e pessoas externas que realmente querem nos prejudicar. Eles querem nos prejudicar, mas basicamente, querem tornar seus países bons", disse Trump.
"Veja o que os outros fazem: a China é um tremendo criador de tarifas, a Índia, o Brasil, e tantos países."
Até agora, porém, nenhuma tarifa foi imposta ao Brasil.
Além disso, na semana passada, o primeiro voo com brasileiros deportados dos Estados Unidos durante o novo mandato de Trump gerou controvérsia depois que passageiros relataram terem sido maltratados por agentes norte-americanos.
Diante de todas essas investidas de Trump em direção à América Latina, região na qual Lula tenta resgatar a liderança brasileira, a postura do Planalto vem sendo marcada por um tom significativamente mais cauteloso do que a adotada pelo presidente Lula em outros momentos do atual mandato.
Em abril de 2023, por exemplo, durante uma viagem à China, Lula chegou a dizer que os Estados Unidos deveriam parar de "incentivar" a Guerra na Ucrânia, o que causou mal-estar com a então administração do democrata Joe Biden.
Em fevereiro de 2024, Lula comparou a ação militar de Israel na Faixa de Gaza a um holocausto, o que fez com que o Estado de Israel declarasse Lula como persona non grata no país.
Enquanto líderes como Gustavo Petro, da Colômbia, e o presidente do Panamá, José Raul Maulino, reagiram às declarações de Trump, Lula segue evitando o confronto direto.
Mas em meio a um histórico recente de declarações e posicionamentos contundentes de Lula na arena internacional, o que estaria por trás da reação até agora cautelosa do presidente e de seu governo em relação a Trump?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e diplomatas afirmam que o Brasil vem calculando com cuidado suas respostas para evitar um embate direto com Trump que, na avaliação deles, teria muito mais potencial para machucar o país do que os americanos.
Segundo eles, a chegada de Trump e o anúncio de suas primeiras gerou uma onda de incertezas e imprevisibilidade sobre como o republicano vai conduzir as políticas interna e externa dos Estados Unidos e como isso pode afetar as relações com parceiros.
Além disso, eles avaliam que o cenário regional também não é favorável a uma resposta mais contundente de Lula na condição de líder regional da América Latina na medida em que o principal parceiro do país na América do Sul, a Argentina, estaria fortemente alinhada ao governo trumpista.
Passos calculados
Um diplomata brasileiro ouvido na condição de anonimato disse à BBC News Brasil que a orientação dentro do governo é evitar uma escalada de tensões entre o Brasil e os Estados Unidos.
Segundo ele, a direção dada até o momento é de aguardar os próximos desdobramentos com sobriedade e evitar polêmicas desnecessárias.
Outro diplomata disse que orientação é não "fulanizar" os eventos relacionados a Trump, ou seja, centrar as eventuais críticas a medidas do governo à figura específica do presidente norte-americano.
Entra nessa conta o fato de que Lula declarou apoiou à candidatura da ex-vice-presidente democrata Kamala Harris nas eleições do ano passado.
Na avaliação de Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais, por trás da cautela brasileira, há um cálculo claro.
"O Brasil não tem o menor interesse em ser arrastado para essa discussão. Há bastante a perder. A economia pode sair machucada", diz Lopes à BBC News Brasil.
Dados do Ministério da Indústria, Comércio, Desenvolvimento e Serviços (MDIC). mostram que os Estados Unidos são o segundo maior parceiro econômico do Brasil, atrás apenas da China.
Em 2024, o comércio entre os dois países movimentou US$ 80,8 bilhões, 8% a mais do que os US$ 74,8 bilhões de 2023.
O temor em torno da imposição de tarifas ficou ainda mais concreto após Trump ameaçar taxar em até 50% os produtos colombianos se o país não aceitasse receber voos com cidadãos do país deportados.
Depois de prometer "resistir" a Trump, o presidente Gustavo Petro acatou às exigências americanas e passou a receber as aeronaves.
Lopes também aponta que um conflito com Trump em meio a um ambiente de polarização política no Brasil também poderia custar caro à popularidade de Lula, que segundo a pesquisa mais recente divulgada pela Quaest, está em queda.
No Brasil, Trump é associado à imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem é próximo.
"O que não se quer, tanto no Itamaraty quanto no Palácio do Planalto, é protagonismo nessa crise", afirma Lopes.
Segundo o professor, o Brasil deve privilegiar os canais diplomáticos em vez de declarações e comentários do presidente.
Foi assim que o Brasil se posicionou nesta semana em relação à crise gerada pelo voo com 88 brasileiros deportados que aterrissou em Manaus.
Muitos estavam algemados, e os brasileiros relataram problemas com a alimentação, água e sistema de ar condicionado da aeronave que os trouxe de volta ao Brasil.
O voo faz parte de um entendimento firmado entre Brasil e Estados Unidos em 2018 que previa o envio de brasileiros deportados em voos fretados pelo governo americano.
Uma comitiva de autoridades brasileiras foi deslocada para Manaus que determinou a retirada imediata das algemas e o governo brasileiro disponibilizou aeronaves para transportar os deportados até Minas Gerais, destino original do avião fretado pelos Estados Unidos.
Em meio a essa crise, o Itamaraty convocou o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar esclarecimentos ao governo brasileiro.
Na linguagem diplomática, a convocação do representante é vista como um sinal de desagrado, mas ainda longe de uma ruptura.
Publicamente, autoridades brasileiras criticaram o uso de algemas, mas evitaram atacar o governo Trump. Lula, por exemplo, convocou uma reunião de ministros para debater o tema, mas ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto.
Mas integrantes do primeiro escalão do governo, sim.
"Nós não queremos provocação. Não queremos afrontar quem quer que seja", disse o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski na segunda-feira (27/1).
"Mas queremos que os brasileiros inocentes, que foram lá buscar trabalho que eventualmente aqui não tiveram, (...) que eles sejam tratados com a dignidade que merecem."
Para o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa, a chegada de Trump ao poder aumentou as incertezas no cenário internacional.
Isso tem feito com que países como o Brasil ainda estejam calibrando como responder às suas declarações e novas medidas.
"A incerteza sobre as ações dele aumentou porque ele está muito mais experiente. Hoje, os republicanos controlam a Câmara e o Senado, então ele tem mais força e mais controle do que tinha antes", diz Barbosa à BBC News Brasil.
"É nesse contexto que ele tomou essas medidas todas que vão gerando incerteza tanto interna como externamente."
Entre as declarações e medidas citadas por Barbosa, estão uma eventual retomada do Canal do Panamá e a pretensão de assumir o controle da Groenlândia, território que hoje faz parte da Dinamarca.
Para Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente no governo de Itamar Franco, a chegada de Trump ao poder abalou os países aliados dos americanos.
"Praticamente a totalidade dos governos do mundo estão em um misto de surpresa e estado de choque ou de cautela", diz o diplomata.
"Eles estão aguardando os desdobramentos e procurando evitar chamar a atenção por algum comportamento que possa provocar uma reação dele."
📸 Operação detém imigrantes em Chicago, em 26 de janeiro
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