Expropria-se: Maduro ameaça grande apreensão de petróleo contra os EUA
A situação na Venezuela é crítica: as eleições presidenciais abriram um período de grande instabilidade tanto ao nível interno como externo. A reeleição de Nicolás Maduro levou vários países do mundo a reconhecer os resultados da Comissão Nacional Eleitoral como ilegítimos e a proclamar o candidato da oposição, Edmundo González, como presidente eleito.
Maduro já lançou diversas ameaças não só contra a própria população como contra o mundo exterior, em resposta ao que considera “um ataque” à sua presidência: entre as medidas, uma tem chamado a atenção acima das demais – Maduro salientou que estuda a opção de expropriar projetos petrolíferos dos Estados Unidos na Venezuela e transferi-los para países aliados como China, Rússia, Índia ou o Brasil, uma ameaça que estendeu a todos os aliados dos americanos.
“Estas pessoas do norte e os seus associados no mundo estão a cometer o erro das suas vidas, por isso estes blocos de petróleo e gás que já foram assinados irão para os nossos aliados dos BRICS”, defendeu o líder chavista na passada terça-feira.
Embora sem grandes detalhes, esta ameaça contém um problema real para o grande projeto de Maduro, conseguir o despertar de uma indústria petrolífera afundada por anos de hiperinflação, má gestão da sua empresa petrolífera estatal, baixo investimento, infraestruturas em mau estado e sanções. No entanto, pode abalar de cima a baixo a economia do país latino-americano, devido principalmente à elevada dependência da Venezuela do dólar e às poucas formas que têm de abastecer esta moeda.

— Uma empresa que domina o despertar venezuelano
Em novembro de 2022, com o mercado petrolífero mundial preso numa espiral de caos, os EUA assinaram um acordo histórico com a Venezuela ao emitir a “licença 41”, que permitiria à Chevron continuar com operações que foram completamente paralisadas pelas sanções no país das Caraíbas. Este apaziguamento continuou em 2023 com a assinatura de uma suspensão temporária de todas as sanções em troca da negociação com a oposição para o lançamento de eleições livres e transparentes.
Os EUA tiveram de inverter esta última medida, depois de a CNE ter proibido a candidatura de duas figuras da oposição, Corina Machado e Corina Yoris, salientando que a Venezuela não cumpriu qualquer garantia para assegurar a limpeza das eleições. No entanto, apesar do regresso das sanções, os EUA deixaram uma porta aberta, a licença 41, que se expandiu para outras empresas como a Repsol, Maurel & Prom e Eni.
No entanto, a chave está na Chevron. A empresa tem cinco projetos espalhados pela Venezuela, particularmente importantes porque estão localizados no Cinturão do Orinoco.
A empresa, que opera em conjunto com a PDVSA, passou de não produzir nada, para 100 mil barris por dia em janeiro deste ano, e depois para um valor já relevante de 200 mil barris por dia, segundo os últimos dados de junho. Só os projetos desta empresa representam mais de um quinto de tudo o que é extraído no país. Segundo os últimos dados oficiais, todos os poços venezuelanos produziram uma produção total de 922 mil barris por dia. Segundo as previsões do ‘IPD Latin America’, os projetos operados pelas outras três empresas ocidentais poderão produzir perto de 50 mil barris até ao final de 2024.
Conforme os especialistas, estas empresas ocidentais são a chave do sucesso para um certo despertar do petróleo no país. A Venezuela foi um verdadeiro titã do petróleo, com cerca de 3,3 milhões de barris por dia produzidos na sua era dourada (1998). Nas suas entranhas estão as maiores reservas do mundo, com 24% do total. Porque é então tão difícil aumentar a sua produção?
A razão é que a própria natureza do seu petróleo, ultra-pesado, que requer um complexo sistema de refinaria. Ao mesmo tempo que depende de uma poderosa tecnologia de refinação que não possui, a própria infraestrutura do país é destruída por uma crise económica que deixou a sua petrolífera estatal, que operava 100% do petróleo bruto do país, numa situação difícil.
“A indústria petrolífera do país depende totalmente dos investimentos e das decisões tomadas pela Chevron”, salientou Francisco Monaldi, diretor do Programa para a América Latina do Instituto Baker de Políticas Públicas da Universidade Rice, em Houston (Estados Unidos), que considerou que esta ameaça “não é muito credível” dado que transferir para outras mãos toda esta indústria que cresceu nestas condições é um caminho cheio de riscos. “Neste momento, a Chevron representa cerca de um quarto da produção, mas representa entre 80% e 90% do aumento ocorrido.” Ou seja, “se Maduro tomar estas medidas, a Venezuela será a maior perdedora, pelo que é muito improvável que tomem este caminho”.
É aí que entram as empresas ocidentais, porque fornecem o capital para abrir estes projetos sem a necessidade de o Governo fazer a sua parte. Um investimento totalmente essencial para que o plano de Maduro se cumpra, para o qual pretende bombear novamente 2 milhões de barris até 2025. Um cenário que parece totalmente impossível para os analistas do setor, que explicam que é necessário um longo período de tempo (e anos de tranquilidade geopolítica) para reabilitar a infraestrutura petrolífera do país.
Em qualquer caso, uma expansão significativa seria uma verdadeira tábua de salvação para um país que teve de sobreviver a cortes agressivos nas despesas para travar a inflação de 130.000% para 337% em 2023 e à destruição do PIB. Ao mesmo tempo, dolarizou a sua economia, o que levou a situações extremas, como a estagnação do salário mínimo nos 130 bolívares por mês (3,5 dólares). Para se perceber a magnitude desta situação, segundo dados da Federação Venezuelana de Professores, um quilo de arroz no país é vendido por 1,17 dólares.
Neste sentido, uma “nacionalização” e posterior transferência para empresas chinesas, russas, indianas ou brasileiras acarreta um grande risco. Um país que precisa de dólares para manter a inflação controlada perderia um dos seus grandes impulsionadores de entrada desta moeda. “A Chevron é uma fonte muito importante de dólares no mercado, o que ajudou a evitar a desvalorização do bolívar.”
Então, porque não há maior intervenção da China e da Rússia? Estes dois países juntos produzem perto dos números da Chevron, mas com muito mais tempo em campo. No caso do gigante asiático, Monaldi revelou que “paralisou completamente os seus investimentos no petróleo bruto venezuelano porque a Venezuela ainda lhes deve uma enorme quantidade de dinheiro (cerca de 20 mil milhões)”.
Em síntese, as experiências de não pagamentos, projetos que em última análise não foram tão rentáveis, fizeram com que “a experiência da China tem sido negativa”. Já a Rússia, face ao conflito na Ucrânia, “não tem capacidade de investimento”.
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