Bruxelas evitou criticar Washington pela suspensão da ajuda militar, que pode ter graves repercussões na luta da Ucrânia contra a invasão da Rússia.
A Comissão Europeia insiste que os Estados Unidos continuam a ser "um aliado", apesar da crescente adesão de Donald Trump à narrativa da Rússia e da recente decisão de suspender temporariamente a assistência militar à Ucrânia, que o Kremlin saudou.
Esta suspensão da ajuda surge depois de Trump e do seu vice-presidente, JD Vance, se terem envolvido num confronto com Volodymyr Zelenskyy na Casa Branca, repreendendo publicamente o líder ucraniano. A cena surpreendeu os europeus, que se mobilizaram quase em uníssono para manifestar o apoio ao país em guerra e ao seu presidente democraticamente eleito.
"Relativamente aos Estados Unidos, sim, os Estados Unidos são um aliado", afirmou Stefan de Keersmaecker, porta-voz adjunto da Comissão Europeia, na terça-feira.
A Casa Branca afirma que a pausa e a revisão da assistência, que pode afetar mais de mil milhões de dólares em armas e munições, servem para demonstrar se Zelenskyy está "empenhado" em alcançar a paz através de negociações com a Rússia.
Zelenskyy tem manifestado vontade de começar conversações, ao mesmo tempo que sublinha a necessidade de garantias de segurança para manter sob controlo o expansionismo de Vladimir Putin. Trump recusou-se a dar essas garantias, oferecendo em vez disso um acordo para explorar os minerais da Ucrânia.
Face a repetidas perguntas sobre a suspensão, que pode ter consequências graves e possivelmente irreparáveis para Kiev no combate às forças russas invasoras, a Comissão evitou cuidadosamente fazer críticas.
"Não creio que nos caiba comentar decisões ou anúncios que são feitos do outro lado do Atlântico", disse de Keersmaecker. A Comissão já comentou anteriormente a decisão de Trump de impor tarifas, sancionar o Tribunal Penal Internacional e de se retirar do Acordo de Paris.
"Sabemos que é importante apoiar a Ucrânia, também na defesa, e garantir que está em melhor posição para negociar".
Desde o início da invasão, Kiev tem contado com os Estados Unidos para obter armamento de última geração, como os sistemas de defesa aérea Patriot e os mísseis anti-tanque Javelin, e informações para colmatar a superioridade militar e a economia de guerra da Rússia.
De acordo com os últimos dados do Instituto de Kiel para a Economia Mundial, os EUA forneceram até agora 64 mil milhões de euros em ajuda militar e a Europa, no seu conjunto, 62 mil milhões de euros.
Questionado sobre a possibilidade de a UE substituir a ajuda americana no caso de a suspensão se tornar permanente, o porta-voz apontou o novo plano de Ursula von der Leyen para mobilizar até 800 mil milhões de euros em investimentos na defesa para rearmar o bloco.
No entanto, o plano dirige-se principalmente aos países da UE e à indústria nacional, com a Ucrânia a beneficiar de efeitos indiretos se a produção de defesa aumentar a um ritmo suficientemente rápido.
"Vai ajudar os Estados-membros a procurar e a comprar em conjunto. Com este equipamento, os Estados-membros podem aumentar significativamente o apoio à Ucrânia. Portanto, equipamento militar imediato para a Ucrânia", afirmou von der Leyen.
A suspensão da ajuda dos EUA deve agravar a ansiedade da Europa sobre a mudança de Washington em relação a Moscovo, que se tornou pública desde que Trump teve um telefonema de 90 minutos com Putin, no mês passado. Trump tem adotado um número crescente de narrativas russas, incluindo chamar Zelenskyy de "ditador sem eleições" e confundir a linha entre agressor e agredido. Os EUA romperam abertamente com os aliados democráticos quando se colocaram do lado da Rússia e da Coreia do Norte numa votação falhada nas Nações Unidas.
O Kremlin saudou a decisão de Trump, sublinhando o rápido realinhamento.
"Se isto for verdade, então esta é uma decisão que pode realmente incentivar o regime de Kiev a (entrar) no processo de paz", disse o porta-voz Dmitry Peskov, segundo a Reuters.
"É óbvio que os Estados Unidos têm sido o principal fornecedor desta guerra até à data. Se os Estados Unidos deixarem de ser (um fornecedor de armas) ou suspenderem esses fornecimentos, será provavelmente a melhor contribuição para a causa da paz".
Entretanto, o primeiro-ministro checo, Petr Fiala, disse que a decisão de Trump exige uma "mudança fundamental" para reforçar a segurança da Europa e intensificar o apoio à Ucrânia.
"Não podemos permitir que a política agressiva da Rússia, que nos ameaça a todos, seja bem sucedida", escreveu Fiala nas redes sociais. "A era de depender de outros para enfrentar os desafios internacionais fundamentais em nosso nome acabou".
Fiala e os outros líderes da UE vão reunir-se, esta quinta-feira, para uma cimeira de emergência dedicada à Ucrânia e à defesa. Inicialmente, esperava-se que a cimeira resultasse na aprovação de um fundo de milhares de milhões para canalizar nova assistência militar à Ucrânia.
No entanto, uma ameaça de veto por parte de Viktor Orbán frustrou a intenção: a última versão das conclusões da cimeira eliminou qualquer referência a este fundo.
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